10 de jan. de 2012

O Beijo Adolescente - Ou porque a geração colorida me decepciona


A adolescência é o pior período da vida, falo isso com uma certeza absoluta. Ao mesmo tempo que, lógico, também sei que é o mais divertido. Nenhuma obrigação, nenhuma responsabilidade, tudo é novo e pronto pra ser descoberto, isso é maravilhoso! Mas é aquela coisa de você não saber quem é, sentir-se estranho no mundo, de ter necessidades emocionais, imaturidade, dependência material e toda essa frescura que faz você querer ser adulto logo. Minha adolescência não foi muito colorida, como a dessa geração que vejo por aí hoje, deve ser por isso que aprendi a gostar de livros, filmes e gibis que retratam essa época como um verdadeiro inferno. Aliás, minha adolescência não foi mais do que livros, filmes e gibis.

Na literatura, podemos encontrar exemplos bem antigos de representação crítica da adolescência, desde O Adolescente (1875), de Fiódor Dostoiévski, Debaixo das Rodas (1905) e Demian (1946), de Hermann Hesse e O Retrato do Artista Quando Jovem (1916), de James Joyce. Mas foi mesmo depois da Segunda Guerra Mundial que tais representações se tornaram uma verdadeira obsessão na arte e na cultura pop, quando o conceito de adolescência como conhecemos passou a ser aceito.

A partir dos anos 1950, destaca-se, na literatura, O Apanhador nos Campos de Centeio (1951), de J. D. Salinger. No cinema há muitos bons exemplos, desde os filmes clássicos Juventude Transviada e Vidas Amargas (1955), com James Dean, passando pelo cult trash Eu Era um Lobisomem Juvenil (1957), até chegar a obras-primas como Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut. Essas representações são quase unânimes em descrever esta fase da vida como um período deveras problemático, nada colorido.

Com o surgimento do rock e a cultura das drogas nos anos 1960, os adolescentes viraram um tema lucrativo, um público alvo para diversos produtos e pura exploração comercial. Nos quadrinhos a adolescência foi o principal tema das histórias iniciais do Homem-Aranha (1963), no mundo dos super-heróis ele foi o primeiro a passar pelos problemas típicos dessa fase, mas nada que fosse muito longe. No meio underground, muitas tiras autobiográficas de Crumb trataram de sua complicada passagem por esse período, mas no geral, nos anos 1960, a visão do adolescente é romântica, impregnada pelo idealismo hippie de curtição, paz e amor. Lia-se On the Road (1957), de Jack Kerouac, um livro de um homem crescido, mas imaturo, e não se entendia a sua angústia. Lógico que tudo fica muito menos problemático e também mais superficial, porém nas obras que marcam uma época, nos trabalhos que trazem uma expressão de seu autor, os adolescentes permanecem vistos como uma questão complicada.

Na passagem dos anos 1970, a ressaca do flower power veio junto com as drogas pesadas, o fim do idealismo e início do niilismo punk. Eu, Christiane F. (13 anos drogada e prostituída) (1979) é um clássico dessa época. Mostrando uma garota que detonava tudo e vendia o corpinho pra se drogar. O livro Laranja Mecânica, de Anthony Burgess, apesar de escrito em 1962, tornou-se finalmente popular pelas câmeras de Stanley Kubrick em 1972, marcando uma época com delinquência e conflitos.

Os anos 1980 e 1990 talvez seja a época dos adolescentes mais loucos e problemáticos. Nos filmes, nos quadrinhos, na televisão, são inúmeros exemplos de uma amostra mais realista do que é essa fase. Nos quadrinhos, Jaime Martin lançou Vida louca, uma autobiografia onde a violência e a marginalidade ameaçavam seu futuro. Tamburini e Liberatore colocaram, em Ranxerox, a adolescente Lubina como amante de um robô psicótico e hiperviolento. Charles Burns criou, em Black Hole, a epidemia que transformava os moleques em monstros. Daniel Clowes e Adrian Tomine dissecaram o tédio, a depressão e o cinismo dessa fase da vida. Os filmes Kids, Gummo e Donnie Darko marcaram uma representação mais honesta de como é viver esse inferno. São meus preferidos.

Então hoje (chegando finalmente ao ponto), em uma época de série Crepúsculo e histórias que embelezam e colorem a adolescência, em que os vampiros brilham ao sol e as redes sociais representam o triunfo do excesso de informação inútil sobre o conhecimento, com o rock morto e enterrado, com quadrinhos indie pra todo lado, com todo mundo querendo fazer histórias docinhas, coloridinhas e dramáticas, eu chego a leitura de O Beijo Adolescente, de Rafael Coutinho, criado originalmente para o portal IG de quadrinhos.

Eu já conhecia Cachalote, uma graphic novel escrita por Daniel Galera e desenhada por Coutinho. Traço tremido, história sem muita ação, sem final, tudo muito cabeça, muito cult, nada comercial, pretensamente artístico, mas falido. Daí me surpreendo ao ver ele encarar um projeto mais voltado ao grande público. Ponto positivo, versatilidade!

O traço em Beijo... ficou menos tremido, mais objetivo, mas ainda não parece muito de mercado. Parece quadrinho europeu, uma mistura de Miguelanxo Prado com Moebius e essa coisa bonitinha indie que eu to aprendendo pacientemente a detestar. Nada que não tenha sido feito antes muitas vezes. Ele é um ótimo narrador, há páginas realmente bonitas, com enquadramentos perfeitos e uma caracterização dos personagens que coloca o leitor na história fácil, fácil. Ele fez a lição de casa.

Beijo Adolescente é um grupo de aborrescentes moderninhos com super-poderes, ou algo que se assemelha a isso, eles supostamente ganham essas habilidades após o primeiro beijo, uma frescura total. Coutinho desenhou Cachalote todo em preto e branco, nessa HQ ele incluiu cores, elas designam os moleques com poderes. Quando eles atingem 18 anos, perdem as cores, e os poderes.

Todo mundo coloridinho, aparamentado, fantasiado. Mas não uniformizado! Eles usam roupas normais de adolescente, coloridas, com alguns capacetes e joelheiras. É como se os Novos Titãs virassem fãs da banda Restart. Mas peraí, isso faz sentido. Afinal, os super-heróis não se vestem de roupas coloridas? Ok, mas em sua encarnação civil, eles usam roupas normais.

Como eu disse, são fãs de Restart que estrelam essa HQ. Eles são super-estrelas admiradas pelo público, possuem empresas de mídia, redes de lanchonetes, esportes, marcas de roupas. Dois milhões de hipsters espalhados pelo mundo, com seus iPhones e skates, os verdadeiros donos da cidade.

Tomás é um "Olheiro", tem o poder de identificar outros garotos com habilidades, ele recruta Ariel, que acabou de completar doze anos. O novato precisa aprender o que é o BA, como se incluir nele e ser aceito, questão típica dessa fase da vida. Mas surge um vilão. Ele parece um ursinho de pelúcia enfeitado. A criatura maligna mata os Beijinhos, suga suas cores/poderes e deixa uma marca colorida no chão. Eles precisam tirar uma foto do bichinho malvado.

A história acompanha Ariel em suas primeiras descobertas, ele desenvolve um poder, o supervômito! Além disso, seguimos o fim da adolescência de Tomás, que está chegando aos 18 e vai perdendo as cores. No final, temos o confronto entre os beijinhos e a criatura. [spoiler] É quando Ariel descobre que ela se alimenta na verdade do ódio que eles possuem e os poderes não surgem com o primeiro beijo, mas quando esse ódio irrompe pela primeira vez. [spoiler].


O enredo de O Beijo... pode ser entendido como uma metáfora da idealização da adolescência como o melhor período da vida, que se esvanece quando chega a idade adulta, ou pode ser apenas uma representação do que é a adolescência hoje: um produto habilmente explorado. Ou ambos.

A grande contradição: É uma HQ sobre adolescentes ou para adolescentes?

Pra mim seria difícil um adolescente gostar da série pela arte. Com poucas cenas de ação, um traço muito apurado e pouco apelo visual, apesar das cores berrantes, não acredito que eles gostem. Mais fácil eles lerem uma Turma da Mônica Mangá ou um Avengers vs X-Men. Mesmo tirando a arte, substituindo-a por um traço mais comercial, mesmo assim, o enredo não se adapta bem ao que eles gostariam de ler, nem seria compreendido. Podemos dizer que é uma série sobre adolescentes, não para eles.

O tratamento do tema, esse é o grande incômodo que tive ao ler a HQ. É uma abordagem muito superficial, muito bonitinha. Nem de perto mostra a adolescência em toda merda que ela é. Como já citei acima, várias obras trataram da adolescência, inclusive nos quadrinhos, e nunca gostei de nada tão bonitinho, colorido. O período mais escroto da vida, como mostrado em Black Hole, pode ser tenebroso. Faltou um pouco disso ao trabalho de Coutinho, uma visão mais cruel. Os conflitos em Beijo... não chegam a uma gravidade, a um ponto crítico, eles poderiam ir mais fundo. É uma HQ muito limpinha. Não tem drogas, palavrão, violência de verdade e sexo. Super-vômito colorido?? Ah, valha-me Deus. Isso é tão babaca que um adolescente sairia correndo.

O grande problema é que essa geração de quadrinistas indie é uma geração colorida. Seus quadrinhos estão impregnados com essa coisa politicamente correta e agradável, cult. Falta um pouco de sujeira que os caras dos anos 80, 90, tinham. Esses de hoje se acham artista demais, são pretensiosos demais, fazem tudo bem feito demais. São profissionais demais. Tem talento, mas enquanto os quadrinistas dos anos 80 sabiam que nunca iam ser profissionais e viver de HQs, e daí simplesmente faziam o que queriam, os quadrinistas de hoje sabem que podem viver disso, e aí não fazem nada realmente ousado. O Beijo... é de uma execução ímpar, tecnicamente é quase perfeito. Daí carece de uma coisa mais bruta, mais sangue e saliva, mais radical. Uma coisa que tinha antigamente nos gibis do Mutarelli, do Crumb, do Tamburini. Que tinha antigamente no rock, antes de Restart.

Ao mesmo tempo que Coutinho não consegue ser suficientemente comercial, não é underground, ele é alternativo. E o que é isso? Não é nada! Alternativo é o termo que inventaram pra designar os artistas que ficam no nem/nem: nem isso nem aquilo. Não tem força moral pra colocar um pouco de sangue no olho dos seus pivetes e botar eles quebrando tudo, destruindo a porra daquela cidade que ele desenhou com tanto cuidado. Os moleques de Beijo... não tem o abismo moral dos adolescentes de Akira, a raiva de um Alex de Laranja Mecânica, nem a classe sardônica das garotas de Mundo Fantasma. Eles são bonequinhos falantes bem desenhados que ficam em uma pasmaceira sem graça. Toda nossa cultura jovem vem se alimentando disso atualmente.

O Beijo foi uma boa leitura, sem dúvida, e Coutinho é um grande nome dessa nova geração de quadrinistas brasileiros, pela sua habilidade narrativa. Mas falta algo a essa nova produção, falta mais angústia nesses personagens, mais tormento. Os quadrinhos do portal IG representam bem essa cena. Espero que com o tempo ela se torne menos colorida e mais viva, mais cruel e mais real. Espero que esse primeiro episódio seja apenas um tímido início.

Ou essa pasmaceira vai ser a marca dessa nova geração de artistas?



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1 Comentário:

ANDREIBLOG disse...

você tem um pouco de razão em tudo isso mais não da para generalizar eu tenho 15 anos é gosto de ser adolescente eu procuro escrever é ler ,ver coisas novas visitar blogs , pena que nunca tive acesso a quadrinhos minha família nunca teve o abito de ler então eles nunca compraram um livro pra mim tam bém não tinha dinheiro, isso só foi mudar de uns tempos praca . acho que os adolescentes de hoje são asim por que eles foram mimados de mais com seus pais super protetores

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