Argentinos metem o Fierro no Brasil
Confesso que não sou um conhecedor de HQS argentinas, sei que você vai me condenar por tentar falar de algo que não conheço profundamente. Mas antes que você me apedreje, e antes que eu realmente me esqueça, gostaria de escrever esta pequena resenha, uma singela análise da impressão que me causou a leitura da coletânea Fierro #1.
O que conhecia até agora dos quadrinhos argentinos eram poucas tiras de Liniers e Maitena e o panfleto comunista El Eternauta, que lí em scan. A Fierro é uma revista de quadrinhos com grande tradição, teve uma primeira versão, publicada entre 1984 e 1992, e uma segunda mais recente, a partir de 2006, que é lançada mensalmente no jornal Página/12. São apresentadas histórias curtas de humor, aventura e fantasia, além de histórias longas seriadas em quatro edições.
A versão brasileira será semestral, o primeiro número saiu em março pela editora Zarabatana, somente com histórias curtas e incluindo autores brasileiros. São 160 páginas de quadrinhos em uma edição muito bem cuidada, com ótimo formato, papel e impressão. Em breve será lançado uma outra revista, que será chamada Coleção Fierro, para abrigar as histórias longas.
Não entendi porque essa revista ganhou tanto destaque quando foi lançada, parecia uma grande novidade os quadrinhos argentinos ganhando um espaço no Brasil, mesmo que pequeno. Parece que existe uma grande empolgação pelos quadrinhos argentinos. Como sempre, recebi o lançamento com ceticismo. Esperei a oportunidade de ler pra ter certeza das minhas ideias preconcebidas: Não é grande coisa, nada demais, chega a ser decepcionante até.
A coletânea se propõe a mostrar diversos estilos de arte, diversos gêneros de histórias, mas sua leitura é sofrível, só de folhear as páginas a ideia que temos é de poluição. Desenhos lineares estilizados quase infantis junto de desenhos mais realistas. Diversas propostas estéticas amontoadas sem razão, algumas mais conservadoras, outras mais experimentais. Algumas pessoas podem achar isto interessante, mas eu não achei. Acostumado com coletâneas como a Heavy Metal onde a seleção é muito mais ligada a uma linha editorial definida, achei nesta Fierro um amontoado de HQs sem qualquer conexão umas com as outras. Simplesmente as pequenas histórias se sucedem em três ou quatro páginas como se você passasse pelo dial de um rádio, captando sinais de diferentes emissoras sem se fixar em nenhuma. Um clima de amadorismo e de fanzine aparece em algums momentos.
A Coletânea inicia com "Oil Company", uma historinha hilária de Liniers, mas logo cai em bobagens como "A arte de ser idiota" de Max Cachimba. Para logo em seguida apresentar uma intragável e ilegível "O desmistificador argentino" de El Tomi, aquele tipo de história que não vale a tinta que gasta. Econômica em seus elementos e prolixa em seu texto, é difícil de engolir a pretensão poética em quatro páginas mal desenhadas e dificilmente eróticas dessa HQ.
Mas coletânea é isso ai, você pode pular as histórias, não precisa seguir na ordem, não é? Não, eu sou chato e leio na ordem. O próximo artista é um brasileiro, Danilo Beyruth, com uma história simples porém muito bem ilustrada sobre uma família de canibais, com um clima meio EC Comics. pouco original, mas muito efetiva. Um ponto alto da coletânea, apesar de ser uma mescla de influências de vários artistas e ter enquadramentos muito ruins. Tai um artista que pode ter algo de bom a ser visto um dia.
Depois uma série de rabiscos ilegíveis de Copi, que eu imagino ser argentino, eu definitivamente desisto da ordem de leitura, pulando para o que me interessa. Vou ao índice e encontro Hot LA, de Horácio Altuna, artista que conheço da antiga revista Animal e da Heavy Metal. Uma surpresa agradável saber que este é um material recente dele e o veterano ainda produz coisa boa. Altuna é realmente um mestre. Em oito páginas divididas em três quadros cada ele faz valer toda esta coletânea. Simples assim, o cara sabe narrar uma história, sabe enquadrar, sabe que palavra certa colocar no quadro certo, sua arte tem vigor, apesar de ter sido depurada e estar mais cinza do que era, com menos contraste, mas com nenhum espaço desperdiçado, nenhum experimentalismo babaca. São imagens e palavras que falam alguma coisa. Perdido no meio de tanta bobagem.
Histórias curtas dificilmente fazem minha cabeça, filmes em curta metragem também, acho que dificilmente se consegue colocar um final convicente, fica sempre uma sensação de vazio, com exceção do humor. A próxima história é estilo noir, com um desenho clássico que muito admiro. Roteiro de Saccomanno e arte de Mandrafina sobre um pianista e uma puta envoltos com um mafioso. É uma peça sem final convincente. E ai eu me pergunto, quanto mais?
Várias histórias são boas pra fazer rir, como Paolo Pinocchio de Lucas Varela, o que me fez perguntar se os argentinos não são na verdade especialistas nisso. O brasileiro Adão Iturrusgarai faz uma boa participação também, mas Fábio Zimbres deixa a desejar com seus rabiscos. Sim, são rabiscos.
Oscar Chichoni faz uma bonita homenagem a Little Nemo in Slumberland quase sem palavras. Carlos Trillo e Pablo Túnica homenageiam Toulouse Lautrec em uma interessante experiência de três páginas com uma prostituta ruiva. H. G. Oesterheld e Juan Giménez desperdiçam seu talento em uma história boba de um soldado interestelar que desconfia que seu parceiro comeu-lhe a namorada, mas depois descobre que era um engano, ele não era corno, e ai eles não brigam e não acontece nada. Frustrante. Uma história desenhada ao estilo Heavy Metal que me deixou com saudades.
No meio disso um amontoado caótico de histórias que pouco chamam a atenção do leitor, seja pela baixa qualidade da arte, como em "Bruno Maravilha" de Carlos Nine, ou pelo excesso de experimentalismo, como em "Palavras soltas, cores cativas" de Juan Saturian e Alberto Breccia. Esta por sinal, baseada na obra de pintores como Chaggal e Franz Marc, se torna desagradável por se tratar de uma estética que funciona muito bem como pintura, como linguagem plástica, mas que é ruim de ser vista em uma HQ, uma arte narrativa. Decepção.
Além de várias outras experiências de humor, algumas engraçadas e outras nem tanto, é nisso que se resume a coletânea Fierro: altos e baixos e um amontoado de coisas que não colam. A contracapa da coletânea resume bem isso, com suas demoninhas boschianas amontoadas em uma catarse gráfica infernal. Teria sido esse o objetivo dos editores? Não sei. Pode ser incompetência mesmo, ou será que é assim que se lê quadrinhos na Argentina, com as coisas jogadas uma ao lado da outra?
O que sei é que me decepcionou esse primeiro contato com as tão comentadas HQs argentinas, esperava mais de nomes tão elogiados no Brasil como Trillo, Nine e Breccia. E pra falar a verdade, fiquei admirado de tal material receber a atenção de uma editora brasileira, com tanta coisa melhor ou da mesma qualidade sendo feita por aqui mesmo. Por isso o irônico título deste post. Como os argentinos conseguiram fazer os brasileiros comprarem essa ideia?
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O que conhecia até agora dos quadrinhos argentinos eram poucas tiras de Liniers e Maitena e o panfleto comunista El Eternauta, que lí em scan. A Fierro é uma revista de quadrinhos com grande tradição, teve uma primeira versão, publicada entre 1984 e 1992, e uma segunda mais recente, a partir de 2006, que é lançada mensalmente no jornal Página/12. São apresentadas histórias curtas de humor, aventura e fantasia, além de histórias longas seriadas em quatro edições.
A versão brasileira será semestral, o primeiro número saiu em março pela editora Zarabatana, somente com histórias curtas e incluindo autores brasileiros. São 160 páginas de quadrinhos em uma edição muito bem cuidada, com ótimo formato, papel e impressão. Em breve será lançado uma outra revista, que será chamada Coleção Fierro, para abrigar as histórias longas.
Não entendi porque essa revista ganhou tanto destaque quando foi lançada, parecia uma grande novidade os quadrinhos argentinos ganhando um espaço no Brasil, mesmo que pequeno. Parece que existe uma grande empolgação pelos quadrinhos argentinos. Como sempre, recebi o lançamento com ceticismo. Esperei a oportunidade de ler pra ter certeza das minhas ideias preconcebidas: Não é grande coisa, nada demais, chega a ser decepcionante até.
A coletânea se propõe a mostrar diversos estilos de arte, diversos gêneros de histórias, mas sua leitura é sofrível, só de folhear as páginas a ideia que temos é de poluição. Desenhos lineares estilizados quase infantis junto de desenhos mais realistas. Diversas propostas estéticas amontoadas sem razão, algumas mais conservadoras, outras mais experimentais. Algumas pessoas podem achar isto interessante, mas eu não achei. Acostumado com coletâneas como a Heavy Metal onde a seleção é muito mais ligada a uma linha editorial definida, achei nesta Fierro um amontoado de HQs sem qualquer conexão umas com as outras. Simplesmente as pequenas histórias se sucedem em três ou quatro páginas como se você passasse pelo dial de um rádio, captando sinais de diferentes emissoras sem se fixar em nenhuma. Um clima de amadorismo e de fanzine aparece em algums momentos.
A Coletânea inicia com "Oil Company", uma historinha hilária de Liniers, mas logo cai em bobagens como "A arte de ser idiota" de Max Cachimba. Para logo em seguida apresentar uma intragável e ilegível "O desmistificador argentino" de El Tomi, aquele tipo de história que não vale a tinta que gasta. Econômica em seus elementos e prolixa em seu texto, é difícil de engolir a pretensão poética em quatro páginas mal desenhadas e dificilmente eróticas dessa HQ.
Mas coletânea é isso ai, você pode pular as histórias, não precisa seguir na ordem, não é? Não, eu sou chato e leio na ordem. O próximo artista é um brasileiro, Danilo Beyruth, com uma história simples porém muito bem ilustrada sobre uma família de canibais, com um clima meio EC Comics. pouco original, mas muito efetiva. Um ponto alto da coletânea, apesar de ser uma mescla de influências de vários artistas e ter enquadramentos muito ruins. Tai um artista que pode ter algo de bom a ser visto um dia.
Depois uma série de rabiscos ilegíveis de Copi, que eu imagino ser argentino, eu definitivamente desisto da ordem de leitura, pulando para o que me interessa. Vou ao índice e encontro Hot LA, de Horácio Altuna, artista que conheço da antiga revista Animal e da Heavy Metal. Uma surpresa agradável saber que este é um material recente dele e o veterano ainda produz coisa boa. Altuna é realmente um mestre. Em oito páginas divididas em três quadros cada ele faz valer toda esta coletânea. Simples assim, o cara sabe narrar uma história, sabe enquadrar, sabe que palavra certa colocar no quadro certo, sua arte tem vigor, apesar de ter sido depurada e estar mais cinza do que era, com menos contraste, mas com nenhum espaço desperdiçado, nenhum experimentalismo babaca. São imagens e palavras que falam alguma coisa. Perdido no meio de tanta bobagem.
Histórias curtas dificilmente fazem minha cabeça, filmes em curta metragem também, acho que dificilmente se consegue colocar um final convicente, fica sempre uma sensação de vazio, com exceção do humor. A próxima história é estilo noir, com um desenho clássico que muito admiro. Roteiro de Saccomanno e arte de Mandrafina sobre um pianista e uma puta envoltos com um mafioso. É uma peça sem final convincente. E ai eu me pergunto, quanto mais?
Várias histórias são boas pra fazer rir, como Paolo Pinocchio de Lucas Varela, o que me fez perguntar se os argentinos não são na verdade especialistas nisso. O brasileiro Adão Iturrusgarai faz uma boa participação também, mas Fábio Zimbres deixa a desejar com seus rabiscos. Sim, são rabiscos.
Oscar Chichoni faz uma bonita homenagem a Little Nemo in Slumberland quase sem palavras. Carlos Trillo e Pablo Túnica homenageiam Toulouse Lautrec em uma interessante experiência de três páginas com uma prostituta ruiva. H. G. Oesterheld e Juan Giménez desperdiçam seu talento em uma história boba de um soldado interestelar que desconfia que seu parceiro comeu-lhe a namorada, mas depois descobre que era um engano, ele não era corno, e ai eles não brigam e não acontece nada. Frustrante. Uma história desenhada ao estilo Heavy Metal que me deixou com saudades.
No meio disso um amontoado caótico de histórias que pouco chamam a atenção do leitor, seja pela baixa qualidade da arte, como em "Bruno Maravilha" de Carlos Nine, ou pelo excesso de experimentalismo, como em "Palavras soltas, cores cativas" de Juan Saturian e Alberto Breccia. Esta por sinal, baseada na obra de pintores como Chaggal e Franz Marc, se torna desagradável por se tratar de uma estética que funciona muito bem como pintura, como linguagem plástica, mas que é ruim de ser vista em uma HQ, uma arte narrativa. Decepção.
Além de várias outras experiências de humor, algumas engraçadas e outras nem tanto, é nisso que se resume a coletânea Fierro: altos e baixos e um amontoado de coisas que não colam. A contracapa da coletânea resume bem isso, com suas demoninhas boschianas amontoadas em uma catarse gráfica infernal. Teria sido esse o objetivo dos editores? Não sei. Pode ser incompetência mesmo, ou será que é assim que se lê quadrinhos na Argentina, com as coisas jogadas uma ao lado da outra?
O que sei é que me decepcionou esse primeiro contato com as tão comentadas HQs argentinas, esperava mais de nomes tão elogiados no Brasil como Trillo, Nine e Breccia. E pra falar a verdade, fiquei admirado de tal material receber a atenção de uma editora brasileira, com tanta coisa melhor ou da mesma qualidade sendo feita por aqui mesmo. Por isso o irônico título deste post. Como os argentinos conseguiram fazer os brasileiros comprarem essa ideia?
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1 Comentário:
Bem,não sei se há alguma coisa sendo feita no Brasil. Quanto aos argentinos és só isso mesmo que você mostrou no seu texto.
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