26 de mar. de 2012

The Walking Dead - Dias Passados - Ou porque adoramos o apocalípse zombie

Você não acredita em nenhuma religião ou política e não tá nem aí pra fome na África ou o massacre na Palestina. Você não gosta do seu vizinho, odeia seu emprego, detesta a escola e não liga pra família. Você acha a música apenas ruído, não gosta de TV, roupas coloridas, filmes de vampiros afeminados, shopping center, estacionamento, festinha, futebol, você não gosta de nada.

Você está cansado de desconfiar que as pessoas estão desperdiçando suas vidas com trabalho, internet, drogas, religião, esportes e política. Você está cansado de perder tempo com isso. Você não quer passar o resto da vida em um escritório esperando a aposentadoria e os fins de semana na frente do PC, matando o tédio.

Você tá cansado de ser roubado pelo governo, de ter burocratas querendo dizer como você deve viver, de obedecer leis, de seguir a rotina, de fingir que é civilizado e luta por alguma coisa. Você está cansado.

Você detesta ter de acordar todo dia só pra encarar tudo isso, repetidas vezes, repetidas vezes, sem poder fazer nada pra mudar o fato. Você acredita que o mundo mergulhou na corrupção e no autoabuso e que o fim está próximo. Você queria que o fim chegasse logo. Você sabe que nada vai salvar ninguém.

E se fosse amanhã? E se você acordar amanhã e descobrir que tudo acabou, que todo ruído, tédio, família, empreguinho, leis, governo, vizinho, internet, escola, carro e casa não existem mais?


The Walking Dead - Dias Passados mostra o xerife Rick Grimes acordando de um coma e descobrindo que tudo acabou. O hospital está cheio de zombies, a pequena cidade onde mora, vazia. Sua casa foi ocupada por um estranho. A delegacia onde trabalhava foi abandonada. Não existem mais leis ou civilização, os zombies destruíram tudo, mataram todo mundo. Sua família desapareceu. Não há explicação. Ele parte pra cidade de Atlanta, pra tentar encontrar sua mulher e o filho pequeno. No meio do caminho o carro fica sem combustível, ele continua em um cavalo, enfrentando zombies.


Na cidade destruída, encontra o jovem Glenn, que o leva a um acampamento de sobreviventes, em uma mata nos arredores da cidade. Lá está sua mulher e o filho. O policial Shane, seu antigo colega de trabalho, os havia salvo. Os dias dos sobreviventes serão uma luta contra os zombies que por vezes se aproximam do acampamento. Rick se torna um líder e decide armar o grupo. Shane quer que o grupo permaneça no acampamento esperando um possível resgate, Rick prefere que eles saiam de perto da cidade infestada de zombies, pra ficarem mais seguros. Eles entram em conflito. O inverno chega, e as armas serão decisivas.



Robert Kirkman criou The Walking Dead em 2003, pela editora Image. Tony Moore é o desenhista deste primeiro arco, em seis partes, que se chama Days Gone by (no Brasil, "Dias Passados"). O sucesso de público não veio logo de início, mas a partir de 2006, e nos anos seguintes a crítica também se rendeu, o que resultou em vários prêmios. Com a adaptação para uma série de TV, a popularidade dos quadrinhos cresceu mais ainda. Os encadernados da série são os mais vendidos todos os meses nos EUA, há mais de um ano.

É a primeira série a mostrar detalhadamente como seria a sobrevivência de humanos em um mundo de zombies. O texto de Kirkman surpreende pela naturalidade dos diálogos, pela calma aparente. Tudo acabou, mas ninguém se joga no chão em histeria. Os sobreviventes tem esperança de um resgate, ou estão resignados. Eles apoiam uns aos outros e não brigam pela comida. Os conflitos vão surgir por motivos comuns em qualquer história que não seja uma história apocalíptica. Não há recordatórios, legendas ou reflexões sobre o que está ocorrendo. Mesmo com todas as cenas de zombies esfacelados comendo carne humana, as relações entre os personagens são o elemento mais importante na HQ.

Tem Donna, a mulher fofoqueira que reclama do velho Dale por ele dormir com duas garotas novinhas em um trailer; tem o maluco do Jim, que viu a família morrer e ficou em choque; tem o caso de Shane com Lori, a mulher de Rick; a questão de dar ou não uma arma pro pequeno Carl; a reclamação das mulheres que tem de cuidar das crianças e não podem caçar e a preocupação em ter papel higiênico, doces e sabão pra lavar roupa. E de vez em quando eles recebem a visita dos zombies.


A arte de Tony Moore é extremamente expressiva e cativante. Serve tanto pra desenhar zombies esvicerados e apodrecidos quanto as pessoas vivas, com exatidão notável de traço e um detalhismo invejável, ótimas texturas e expressões. Mas ele carece de um melhor jogo de luz e sombra e uma narrativa mais dinâmica. Exagera tanto nos cinzas que não tem diferença entre um dia nublado, de sol ou neve. Repete alguns quadros sem necessidade, variando muito pouco os ângulos de enquadramento, mostrando muitas pessoas em cenas frontais. Não sei se foi esse o motivo, mas o desenhista saiu da série depois deste primeiro arco e permaneceu fazendo apenas as capas até o número 24.

Este volume apresenta alguns clichês ja explorados em filmes de zombies. Algumas cenas me recordaram diretamente o filme "Madrugada dos Mortos", de Zack Snyder. Há uma cena onde os sobreviventes conversam ao redor de uma fogueira, e contam o que faziam da vida antes dalí. E quando um deles é mordido por um zombie, tem todo aquele drama de dar ou não um tiro na cabeça da vítima. "Madrugada" também tem um policial como protagonista e mostra conflitos entre os personagens. Mas o filme é do ano seguinte ao lançamento dessas seis primeiras edições. Portanto, não há plágio.

Kirkman criou personagens tão comuns que nos identificamos direto. Nos sentimos lá dentro da história e é prazeroso, mesmo com zombies devoradores de carne humana em volta. O acampamento é uma comunidade de pessoas vivendo da forma mais simples, como não sabemos mais viver. Lavando a roupa no rio e não pagando pra alguém fazer isso, brincando com nossos filhos e não deixando eles sozinhos com o videogame, conversando na fogueira e não por meio de ferramentas estúpidas como o Facebook, caçando e não comprando enlatados cancerígenos.


Mas os conflitos vão surgindo, a necessidade do grupo se armar, um ataque de zombies e as desavenças entre Rick e Shane levarão ao final trágico deste primeiro arco.

O que a série de Kirkman tem de realmente inovador virá depois deste primeiro volume, este aqui é apenas um aperitivo. Em um mundo destruído, os que sobreviveram estão vivos, e isso é tudo. Eles lutam pra continuar vivos e tem de reaprender a conviver uns com os outros. Chamada clichê, mas com seu encanto. O grande lance é que este começo morno mostra uma certa insanidade e desesperança chegando ao acampamento e se insinuando em cada personagem.

O que realmente explica o fato da série ser um sucesso dos quadrinhos, desbancando grandes ícones dessa mídia, como os super-heróis Marvel/DC, e agora obter um mega-sucesso na forma de seriado de TV, com recordes de audiência, é outra coisa.

No fundo, todos nós gostamos de imaginar como seria o fim de tudo. Em Walking Dead os zombies realmente acabaram com tudo. Eles são mortos que caminham e devoram lentamente tudo que foi construído com tanto esforço. Os personagens estão lá pra ver isso.

Foi tudo em vão e você sabia desde o início. O mundo que fazia você acordar toda manhã se perguntando porque deveria continuar vivo foi destruído. Agora resta apenas lutar pela sobrevivência. Uma arma, uma pá, um zumbie no chão. Você está vivo, isso é tudo. É por isso que você ama The Walking Dead, porque você queria estar lá.

Mas, e se a loucura do nosso mundo acabar amanhã e você descobrir que o ruído, tédio, família, empreguinho, leis, governo, vizinho, internet, escola, carro e casa não existem mais, porém as pessoas continuam do mesmo jeito, cada vez mais insanas?



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