22 de nov. de 2010

Daniel Clowes


O seu nome é Clay Loudermilk, você vai ao cinema pornô que costuma frequentar e vê a sua ex-namorada atuando em um filme muito esquisito, onde um homem anda de cueca na rua e não há sexo nem nudez, com um título mais do que absurdo: "Como uma luva de veludo moldada em ferro", as coisas feitas ali seriam reais e não encenações, você fica preocupado, decide procurar a garota e saber por que ela lhe abandonou e está fazendo aquilo. Você decide encontra-la e sai perguntando pelo cinema de onde vem aquele filme, um vidente que você encontra no imundo banheiro do cinema lhe diz que o filme foi feito em uma cidade chamada Gooseneck Hollow, você decide ir até lá. No caminho você encontra policiais corruptos, uma mendiga que vomita na sua cara, nerds, feministas malucas, conspiradores, adolescentes mutantes, prostitutas com três olhos, cineastas em crise, cachorros sem ânus, seitas bizarras, e um tipo de Deus!

Você se chama Enid, é uma adolescente que acabou de sair do ensino médio, mas não sabe bem o que fazer da vida, você gosta de arte mas não se adapta a "escola de artes", sua melhor amiga é uma garota alienada que não quer sair da infância, vocês cruzam com padres pedófilos, neonazistas e com um nerd desesperado em busca de uma mulher, você decide sacanea-lo, mas acaba se tornando amiga dele e mergulha em um mundo de vazio existencial, cinismo e melancolia.

Você se chama Mal Rosen, tem 39 anos e é um desenhista de caricaturas, você trabalha em feiras de artesanato, não tem uma casa, mora em hotéis de beira de estrada e quase não fala com sua mãe, que esta em um asilo, ela sempre dizia que você desenhava pessoas feias. Você se sente mal por tudo isso, é melancólico e solitário, quando desenha as mulheres, pensa em fazer sexo com elas. Um dia você está trabalhando em mais uma feira cheia de artistas fracassados igual você quando encontra uma garota problemática e começa a pensar que ela é a solução pra sua vida...

Estes são alguns dos personagens de um dos mais aclamados artistas dos quadrinhos alternativos da atualidade, você pode ter se identificado com seu universo cruel, sombrio, pessimista, estranho e ao mesmo tempo extremamente realista. Duvido que você seja um daqueles que ainda acha que história em quadrinhos é somente uma forma de diversão irresponsável, com heróis superpoderosos de colantes em sagas intermináveis pelo domínio do universo e não aguenta mais ler gibis, se fosse não estaria lendo este blog, mas acho que você ainda pode pensar que os quadrinhos de contra-cultura se resumem a Robert Crumb, ou que uma Graphic Novel de qualidade é trabalho de Alan Moore, Neil Gaiman ou Grant Morrison, então conheça um pouco mais deste artista!

Ele se chama Daniel Clowes e nasceu em Chicago em no dia 14 de abril de 1961. Estudou no Pratt Institute no Brooklyn, Nova Yorque e formou-se "bacharel em belas-artes" em 1984.


Ele começou sua carreira como um cartunista "alternativo" ou "underground" em 1985 com a série de curta duração Lloyd Llewellyn, uma HQ baseada nas aventuras de um detetive particular, uma divertida reunião de elementos da cultura pop do pós-guerra (Ficção Científica dos anos 1950, histórias ruins de detetive, filmes de Russ Meyer, quadrinhos da EC, etc) antecedendo várias das tendências que entrariam em voga nas décadas seguintes. Ele terminou a série em 1987, ansioso por seguir para novas formas de narrativa.

Em 1989, ele criou um fanzine bizarro, Eightball, onde passou a publicar quase todo seu trabalho. Eightball é importante por sua constante evolução, em 17 anos trouxe diversas inovações para a linguagem dos quadrinhos. A primeira de muitas histórias a ganhar destaque foi a sombria HQ Como uma Luva de Veludo Moldada em Ferro, publicada no Brasil pela editora Conrad, e o seu retrato selvagem da indústria dos quadrinhos, Pussey!. Nos anos 90, ele atacou com Ghost World, sua obra mais complexa e de maior sucesso, David Boring, e a aclamada coletânea de histórias curtas, Caricature. Eightball garantiu ao artista uma legião de fãs e vários prêmios Harvey, Eisner e Ignatz, as principais premiações do mundo das histórias em quadrinhos, o que o tornou o cartunista mais premiado dos últimos 20 anos. A edição mais recente de Eightball apresenta The Death Ray, uma história dantesca sobre superheróis adolescentes insanos, que está entre o melhor da sua produção, expandindo ainda mais os limites de forma e conteúdo de seu trabalho com os quadrinhos.





Em 2001, a adaptação de sua graphic novel Ghost World, com roteiro dele mesmo e direção de Terry Zwigoff, foi lançada sem grande sucesso comercial, mas com grande entusiasmo da crítica, recebendo uma indicação ao Oscar de melhor roteiro adaptado e vencendo o Spirit, premiação de filmes independentes, além de vários outros prêmios. Eles fizeram um segundo filme em 2006, Art School Confidential, baseado em outra história publicada em Eightball, denovo com roteiro de Clowes e dessa vez com John Malkovich e Jim Broadbent no elenco, porém o filme não atingiu o mesmo sucesso de Ghost World.



Clowes foi o primeiro cartunista a ser selecionado para a edição literária anual da revista Esquire em 1998. Em 1995 ele criou o desenho animado para o clipe dos Ramones “I Don’t Wanna Grow Up”, entre outros trabalhos de mídia, incluindo loucas capas de discos de rock. Seus quadrinhos e ilustrações são publicados nas revistas New Yorker, Time, Newsweek e muitas outras.

Ele mora em Oakland, Califórnia com sua esposa Erika e o filho Charles. Seu trabalho mais recente se chama Ice Haven, um intricado conto sobre sequestro e alienação em uma pequena cidade do meio-oeste americano que foi lançado em 2005 com grande sucesso. Atualmente ele trabalha no projeto de um filme em animação, Megalomania, com o diretor Michel Gondry.

A primeira história que li de Daniel Clowes foi "Caricatura", um conto sombrio, realista e melancólico que saiu na coletânea Comic Book, o Novo Quadrinho Norte-Americano, da editora Conrad. Logo de cara me identifiquei com seu estilo direto, de palavras e desenhos simples, mas que atingem uma profundidade psicológica tremenda. O traço de Clowes é estilizado, mas sem concessões, com uma abundância de sombras ou características feias e nojentas em suas figuras que nos perturbam ao extremo. Ele desenha pessoas com dentes pra fora, magras, desajeitadas, mal vestidas e tortas, tão pouco idealizadas que nem parecem personagens mas sim pessoas reais, tiradas de algum lugar entre o fracasso após o colegial e a fila dos desempregados. Figuras saidas de pesadelos de hotéis de beira de estrada, com as quais não gostariamos de encontrar na rua, as pessoas que nós temos medo de nos tornarmos. É como se Daniel Clowes desenhasse seus vizinhos mais problemáticos, os que tem um emprego ruim, os que se deram mal na vida de alguma forma ou os nerds da época da escola, as vítimas do bulling e aqueles caras que ninguém gosta de convidar pra uma festa. A realidade brutal.

Apesar disso lá está o absurdo, ou o que achamos que é, em seus enredos a vida contém monstros, doenças obscuras, conspirações, deformações, apocalipse, seitas, loucos, aliens, um nonsense de coisas desagradáveis e bizarras, uma colagem de pedaços podres da realidade que tentamos esconder com subúrbios de ruas limpas, sucesso profissional, entretenimento e cultura pop.

Um trabalho excepcional que é mais uma prova de que os quadrinhos ainda podem render grandes obras. Você vai se assustar com o trabalho deste artista. Daniel Clowes desenha algo parecido com nossa vida, ele desenha pessoas pequenas e feias, cínicas e potencialmente desesperadas, pessoas parecidas com você.

Leia a história "Caricatura" clicando nas imagens abaixo:


















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